Thornton Pickard Royal Ruby Triple Extension



Em 2007 eu deixei a empresa onde havia trabalhado por 11 anos. Sabendo da minha paixão por fotografia meu amigo e colega de trabalho, Antonio Grandini, que estava encarregado do meu presente de despedida, passou a missão para alguém chamado Chico Parodi. Era para encontrar uma máquina fotográfica para a minha coleção. Chico representa a quinta geração de uma família de fotógrafos. Em 1906 um de seus ancestrais, que havia sido marinheiro e trabalhado com máquinas de processar grãos de café, voltou para Roma para rever a família. Lá encontrou Giuseppe Droghini, um fotógrafo que trabalhava para o Vaticano, e decidiu que se tornaria ele mesmo também um fotógrafo. Até conveceu Giuseppe a volar com ele para o Brasil e começar um negócio promissor na região de Campinas, a 90 Km de São Paulo. Enquanto que Giuseppe desistiu alguns anos mais tarde, Nicolau persistiu no ramo e construiu um estúdio se sucesso até o ano em que faleceu em 1937. Hoje Chico Parodi tem uma loja em Valinhos e ainda trabalha criando memórias para as famílias da região. "Nós queremos ser parte da sua história" esse é o slogam do seu estúdio e é isso que os Parodis têm feito, por mais de um século. Para ver um pouco dessa história vá para:    Foto Parodi e clique em "Acervo".

Bem, voltando á história de meu presente de despedida, adivinhe o que aconteceu? A câmera que ele encontrou, na verdade a câmera que ele foi atrás, foi uma que pertenceu ao se bis-avô. Uma que ele havia vendido em 1955, quando se aposentou, para um outro fotógrafo de Campinas . Em parte foi sorte minha o Chico tê-la encontrado, mas fotógrafos de família como os Parodis certamente conhecem e são conhecidos de todo mundo na região. A grande sorte for o estado de conservação em que ela se encontrava.

 

Esta é uma fotografia do fundador Nicolau Parodi e sua família. O garoto na direita é Jo‹o Parodi que aparece na segunda foto já como adulto. Esta Thornton Pickard foi dele e ela a usou por trinta anos.

Bem a câmera não é apenas uma câmera mas um conjunto completo. As três maletas em couro são originais, a maior acomoda a máquina e 3 chassis para filmes, a outra é para mais 3 chassis extra e a terceira leva o tripé. Por coincidência eu tinha um obturador de cortina original Thornton Pickard e no tamanho correto para a Royal Ruby 18 x 24 cm. Estes obturadores, são na verdade o que fez a empresa conhecida no mundo todo e não são tão difíceis de achar. Há uma página na web (em inglês) do    Museum of Science & Industry in Manchester que conta a história desta empresa inglesa iniciada por John Edward Thornton e na qual Edgar Pickard juntou-se mais tarde em 1888.





A lente que veio com a câmera não fica nem um pouco atrás em importância. Foi também fabricada na Inglaterra, por Ross em Londres, sob licençaa da Zeiss da Alemanha. A Zeiss é ainda hoje uma empresa líder em lentes e instrumentos ópticos. Para saber mais sobre ela vá para    The Zeiss Historica Society . Na lente está escrito Zeiss Convertible Anastigmat. Este desenho é também conhecido como Protar Series VIIa. Protar é uma marca que a Zeiss adotou quando a patente sobre o nome 'Anastigmat' expirou e outros fabricantes começaram a usá-lo como um nome genérico para lentes tendo correção para astigmatismo. Ross listou esta lente em seu catálogo de 1896 até 1900. É uma combinação de duas lentes totalmente corrigidas. Cada uma consiste em quatro elementos colados. Por esta razão foi chamada "conversível" significando que cada metade poderia ser utilizada independentemente para dar diferentes distâncias focais: 19 1/4 polegadas (aprox 480mm) ou 23 1/2 polegadas (aprox 587 mm) e a combinação faz uma lente de 12"ou 300 mm que é a focal normal para um quadro de 18x24 cm. A abertura é de f/ 12.5 quando qualquer uma das células é usada sozinha e f/ 7 quando combinadas. Eu cortei uma placa em latão e fiz alguns ganchos para fixar de modo que posso ainda usar a lente em uma Linhof Technika 13x18 cm. Para saber mais sobre esta lente vá para    Ross Protar

Câmera e lente estiveram em produção na virada do século. Não sabendo exatamente o ano eu decidi achar que tenho um belo equipamento de 1900 e com uma bela história por trás. Mais do que ter eu me sinto responsável por mantê-lo em excelentes condições e produzindo, sim claro... fazendo fotos, por mais algumas décadas.





Sobre a construção, ela é uma 'field camera' ou 'câmera de campo' isto significa algo que o fotógrafo possa levar para trabalhos longe do estúdio. O conjunto completo como se vê na primeira foto (sem as chapas de vidro que se usava na época) pesa mais ou menos 22 kilos. No entanto é fácil ver o esforço para fazê-la leve com os materiais que estavam disponíveis na época. Ela é apenas madeira e latão e cada peça tem uma função em estruturar o corpo para torná-la firme e estável.



Considerando que o fole pode se extender por até 70 cm quando a lente está tudo para frente e o filme tudo para trás. Considerando que as lentes nesta época iam facilmente até os 2 kilogramas (esta Protar tem 930g). O problema de permitir ajustes de movimentos da lente e filme para compor a cena mas depois mantê-los firmes, livres de vibração, no momento de expor a foto (que podia ser de frações de segundo até alguns minutos) era realmente difícil de resolver para um aparelho portátil no formato 18x24 cm como esse.



Para entender porque tantos botões e cremalheiras é preciso lembrar que um recurso muito importante naquela época era a possibilidade de mover a lente em relação ao filme. Nesta vista de frente pode-se ver dois botões em latão que irão mover a lente para direita ou esquerda e para cima e para baixo. Também inclinações são possíveis tanto da lente como do plano do filme. As origens disso tudo vai até o Renascimento. Quando a perspectiva foi inventada nós aprendemos a ver linhas verticais sempre na vertical. Por exemplo, as colunas em desenhos e pinturas não convergem para um ponto de fuga. Nós aprendemos a nos sentir confortáveis com esta visão da realidade. Quando a fotografia foi introduzida, as câmeras tinham que poder representar arquitetura da maneira como o próprio Brunelleschi o faria.

 

Acima temos um desenho de Brunelleschi (a nave central na catedral de São Lourençoo - início do século XV) e ao lado uma foto de igreja da coleção de fotografias dos Parodis, talvez tirada com esta Thornton Pickard. Nós não sentimos nenhuma estranheza olhando para elas pelo fato das linhas verticais serem representadas perfeitamente na vertical também. Essa é a maneira que estamos habituados a ver arquitetura desde o início do Renascimento.

Abaixo temos uma foto tirada com uma câmera digital (sem movimentos entre lente/filme) apontando para o centro da construção. É a igreja da Santa Efig?nia em São Paulo. As linhas verticais agora convergem para um ponto de fuga imaginário que se coloca em algum lugar no céu e fora da cena. Nós aprendemos a olhar estas imagens também, sem estranheza. Mas isso pareceria muito amador e feio algumas décadas atrás. Indo ainda mais longe, alguns artistas adotaram este novo jeito de ver e sua representação de arquitetura faz com que se pareçam instantâneos fotográficos. Esse é o caso da imagem abaixo no lado direito. (crédito: esta pintura eu peguei no site da Fundação FAPERJ - Igreja de Santa Tereza de Jesus).

 

Não há certo ou errado nestes assuntos e tudo é pura convenção. De qualquer forma o fato é que os aparelhos fotográficos eram razoavelmente complexos para poder concordar com a convenções de seu tempo. Tirar fotos com os cânones da renascença demandava um tripé e um tempo longo trabalhando na composição, movendo a lente e o plano do filme e verificando o resultado no vidro despolido. Quando a fotografia com máquina na mão e a instantaneidade se tornaram um apelo irresistível para o turbulento século XX, nós aprendemos a ler imagens onde a ortogonalidade das coisas passou a ser praticamente encoberta com os fotógrafos explorando novos e inusitados pontos de vista.



Mais de um século se passou e ainda existem câmeras de formato grande e vidro despolido em producão. Há mesmo novas marcas entrando no mercado. Há uma discussão muito interessante e divertida em alguns pontos sobre um novo fabricante da China que produz uma máquina chamada Chamonix. É em inglês e está em:    Chamonix is coming!. A máquina só se encontra a venda no ebay, pelo menos por enquanto. Ainda é poss’vel comprar mesmo filme preto e brando por exemplo na:   Fotoimpex  . Se você der um Gogle em marcas como, Efke, Foma, Rollei, Forte, você vai encontrar muitas fontes de filmes. Para revelar o filme e a foto final é poss’vel preparar as fórmulas em casa a partir de reagentes químicos. Há muita informaço na internet. Uma boa fonte é:   Umblinking Eye; .Estou dizendo tudo isso apenas para lembrar que mesmo com tanta história por trás fotografia como se fazia no tempo da Thornton Pickard ainda é uma coisa viva.



Para finalizar, gostaria de mostrar as primeira fotos que fiz com ela e a Protar. Na esquerda meu filho André. No meio minha mulher a Thais, lendo jornal em uma manhã de domingo como ela sempre faz. A terceira é o próprio Chico Parodi e sua mãe a Dona Terezinha. Eu fiquei muito contente de poder ter feito esta foto.




home cameras gallery guestbook